Monday, April 17, 2006

Documentário Imaginário

Estas foram as primeiras impressões para um documentário sobre a Lei da Vigilância, "Vigiar e Punir", com as prostitutas da Luz. Já se vão quatro anos, este projeto esta na gaveta número sete do meu armário imaginário de números e impressões.




Silmara e Marlene. Esté foi o primeiro contato humano no Parque da Luz, hoje, 10 de setembro de 2002. Prostitutas, ou "Mariposas da Luz", como queiram. Uma visita à praça numa tarde comum conta ao desavisado mais do que os olhos vêem.
Primeiro parênteses: a praça fica exatamente ao lado da Pinacoteca. Tudo bem, todos já sabíamos. mas é essa referência espacial que pode ser interessante, à primeira vista. Um dos mais sofisticados projetos arquitetônicos da cidade, de Paulo Mendes da Rocha, a Pinacoteca fica observando tudo ali de perto, com suas funcionárias de sorriso colgate. Tudo planejado, lógico. Esta dicotomia pode ser interessante.
Segundo parênteses: ao sair da Pinaconteca (na verdade não precisa nem entrar nela), a Praça da Luz. Ponto de prostituição a 40 anos, habitat de todo tipo de fauna que pode haver na frente de uma estação de trem como a luz, uma das mais antigas também. A estação foi presente dos ingleses e a arquitetura acompanha. Há muito tempo virou ponto de chegada de nordestinos, migrantes e, até um passado recente, ponto de tráfico forte, coisa que supostamente o uso de câmeras vai eliminar.
Mas vamos às meninas. Depois voltamos. Primeiro encontrei Marlene. Uma simples volta já revela, pelas roupas e atitudes, quem é quem na praça. Quem está trabalhando e quem está de bobeira. Aposentados, desempregados, vagabundos (inveja...) estão por todos os lados, sentados, sozinhos, acompanhados, conversando sobre xxxxxxxxxxxx. E elas estão ali, em pé quando querem trabalhar, sentadas quando descansam para comer ou fumar um cigarro. São prostitutas velhas, ao que parece já fizeram ponto em outros lugares, talvez lugares melhores. De qualquer maneira, não tem como comparar com as meninas da Augusta. A Luz é o trash da profissão. Algo como o fim da linha. Porém, veja só, elas têm idéias e amor próprio, na maioria dos casos. Em outros não.
Marlene deve ter uns 40. É daquelas "fortinhas", com braços gordinhos, veste saia e um suéter. Quando paro e lhe pergunto se ela trabalha na Luz, baixa o olhar por um instante. Mas responde prontamente que sim. Explico que não sou cliente mas alguém querendo informação sobre as câmeras que colocaram ali há algum tempo. Ela me responde, meio desconfiada, que já faz tempo que as câmeras estão funcionando. Pergunto se elas (as câmeras) tem atrapalhado no trabalho delas, ela responde de primeira que não, mais tarde afirmaria que muitos "homens bons", seja lá o que isso signifique para ela, tinham sumido depois das câmeras. Pausa. Percebi nos dois casos que na maioria das vezes, a dimensão destas mulheres não consegue ligar a liberdade vigiada, com a diminuição do número de clientes. Lógico, que só entrevistei duas. Faltou apuro jornalístico, he, he (Alex...)
Anyway, Marlene me conta que a "mulher da saúde" tem feito reuniões, às quintas, para discutir a carteirinha, ou seja cadastrar estas mulheres para que possam ter benefícios (tbm não sei quais são, mas devem haver alguns). Pergunto se ela fez, diz que não. "Como vou fazer carteirinha de puta? Voltar pra minha casa pra criar meus filhos?". Marlene tem medo que a profissão fique "séria", e que outras mulheres, inclusive suas filhas, se interessem pelo trabalho.
Abre parênteses. Gilberto Dimenstein tem feito uma campanha há algum tempo na Folha sobre o tema, e, segundo suas colunas as prostitutas só tiveram a ganhar com o cadastramento e as câmeras. Parece que o nosso amigo não foi até a praça verificar. Faltou apuro jornalístico, hehe... Fecha parênteses.
Este é o ponto X, na minha concepção, qual é a real situação destas mulheres hoje? Elas não gostam do que fazem, são párias da sociedade, e um projeto que se chama "revitalização do centro" está acabando de fodê-las. Sem trocadilho. Esta é a história que não foi contada ainda.
Vamos à Silmara, não por falta de assunto com Marlene mas porque o tempo está acabando. Pra começar Silmara estava bêbada. Só percebi depois, pelo bafo. Ela se insinuou mais pra cima de mim. Silmara têm dentes tortos, separados e uma bela gengivite. Vêm de Itú pra trabalhar na Luz. Ficou sabendo por uma amiga, que já se prostituía aqui. Prefere os velhos, que dão menos trabalho e gozam rapidinho. Têm clientes fixos, dependendo do dia da semana. Isso é algo a ser dito, vejam só, a prostituição na Luz é esquema antigo, de pracinha. Mesmo porque a clientela é humilde, trabalhadores ou não, que não tem tanto tato pra se relacionar com mulheres. Este é o tipo que as procura. Por isso a praça é tão importante como ponto de encontro, o espaço é vasto, muitos traunseuntes, banquinhos, coretos, árvores, e algumas obras de arte. Os tímidos podem se sentar primeiro, ficar olhando, tomar coragem e só depois partir pra abordagem. Elas não trabalham pra ninguém, pelo menos as duas, só por conta própria, usam hoteizinhos colados à estação e recebem dinheiro vivo. Silmara é mais louquinha e mais nova, que Marlene. Como Marlene previu - "essas novas, mais moderninhas, devem fazer a carteira" - Silmara faria a carteirinha, numa boa. Elas recebem preservativos e podem fazer todo tipo de exames em bons hospitais, cortesia do governo Marta e do projeto. Este parece ser o lado legal do projeto. Silmara é loira e usava uma microsaia, mais bonitinha que Marlene. Ela já se comprometeu a falar diantes às câmeras. Na boa. Diz que está todo dia ali na entrada do parque e não tem problema de vergonha. Deus ajude que todas as outras sejam assim.
That`s all for now, folks.

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